Artigo: Além da nossa insignificância

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Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna

Aproveitei essa última semana do mês de dezembro do fatídico ano de 2020 para assistir algumas outras séries, filmes da streaming, que ampliassem o meu repertório e pudesse me levar à intertextualidade diante daquilo que já li. Porém, os livros não foram deixados de lado, pelo contrário, passei a ler mais. As férias chegaram e com elas há um pouco mais de tempo. Momento propício para navegar diante destas plataformas. E comecei esta nova década explorando estes novos e velhos recursos.

Assisti algumas séries que mexeram comigo. Fizeram-me refletir. E essa talvez seja a importância desses elementos expostos pela nossa cultura. O fazer pensar. Devemos concentrar nosso esforço intelectual na análise, nas entrelinhas; deixar de apreciar o filme, a série, a música, o livro apenas como um dos elementos do entretenimento. Eles vão além. Procurarei nestas linhas expor aquilo que de mais interessante captei de alguns desses tópicos culturais. Mary Shelley é um filme na Netflix baseado em fatos reais que envolvem romance e suspense. O drama se passa no século XIX e gira em torno da trágica vida, do primeiro amor e da inspiração que levou a escritora Mary Shelley a escrever sua primeira obra, ainda sem saber que se tornaria um dos maiores nomes da literatura fantástica. Nasce aqui Frankenstein. Lembrando que Lord Byron, o criador da Literatura Gótica, aparece e faz parte da história da escritora. Outro bom filme, apesar das críticas negativas, é O céu da meia-noite, dirigido e protagonizado por George Clooney conta duas histórias que se cruzam sem muito impacto, por se passar simultaneamente em ambos os locais, o longa que chegou à Netflix pode ser considerado com mais exatidão como um drama reflexivo que procura abordar temas humanos acima da ciência. É interessante como a obra, adaptada do livro Good Morning, Midnight, toca em pontos sensíveis que estão em voga atualmente, ainda que o tom seja bem mais frio do que o esperado. O filme é um recado que a Terra necessita ter um outro rumo.

Dentre as séries faço menção à duas: a primeira, indicação da talentosa professora e mestre em Literatura Isabela, foi candidata à vice-prefeita em Taquaritinga, um daqueles bons dramas espanhóis que nos vicia nas primeiras cenas, A desordem que ficou. São oito episódios que compõem apenas uma temporada, a trama acontece em torno da vida de duas professoras de Literatura, Viruca (Bárbara Lennie) e Raquel (Inma Cuesta). Viruca, no entanto, está morta, e Raquel tomou o seu lugar na sala de aula, a substituindo após a tragédia que tirou a sua vida. A vida de Raquel já estava em um processo de superação depois de perder a mãe, se mudando então para a cidadezinha do marido para recomeçar a vida, mas o luto se tornou ainda mais complicado depois de descobrir o que havia acontecido com Viruca. Não poderia deixar de me referir à Bom dia, Verônica adaptação do livro de 2016, na época publicado sob o pseudônimo Andrea Killmore, a trama acompanha a complicada jornada da escrivã Verônica Torres (Tainá Muller) para encontrar um criminoso manipulador, e sua busca por justiça à uma vítima de violência doméstica. É tanto uma história sobre a enorme ambição de Torres de lutar contra um sistema burocrático, quanto o inferno que Janete (Camila Morgado) sofre nas mãos de Brandão (Eduardo Moscovis), agressor com tendências assassinas. Confesso ter sido abduzido. Ainda tenho Bridgerton, indicação da jornalista Lilian Scrivanti para ver, além da terceira temporada de Cobra Kai.

Na minha lista de livros, em duas semanas consegui ler algumas obras essenciais da nossa vasta Literatura Universal. Comecei pela obra Olhos D’Água, da sensacional Conceição Evaristo. Reunião de contos. Aqui a população negra brasileira é narrada, sem meias palavras, a pobreza e a violência urbana que a acometem. Detalhe para as personagens femininas expostas como personagens principais das narrativas. Um olhar para diversas mulheres negras. Será que não seria uma única mulher?; em Crônicas de amor e amizade, da inigualável Clarice Lispector, 43 narrações do cotidiano despem personagens dos seus contos e romances, tornando os leitores transeuntes em pessoas íntimas, nos falando diretamente ao coração. Um convite à juventude a se apaixonar pelos livros, através de instantes postos em palavras. Estou em fase de revisão os seguintes clássicos: 1984 e A Revolução dos Bichos, hoje traduzido como A Fazenda dos Animais, de George Orwell, além da finalização do primeiro romance, na verdade uma novela, composta por Chico Buarque em plena Ditadura Cívico-Militar, Fazenda Modelo, que dialoga com a obra homônima de Orwell.

De fato, toda forma de cultura deve ser absorvida, vide os modernistas antropofágicos. Não podemos ser cooptados pela dimensão do entretenimento, como afirmava os acadêmicos da Escola de Frankfurt, todavia devemos ser tragados pela análise e reflexão diante destas obras. Nossa ignorância nos normaliza em insignificantes, que se transformam a cada análise realizada.

P.S.: Não poderia deixar de aplaudir ao documentário AmarElo: é tudo pra ontem, do Emicida.

Feliz 2021!

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.

**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!

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